Biografia e Curiosidades

J. Verne (1828-1905)


"O mundo possui seis continentes: Europa, África, Ásia, América, Austrália e Júlio Verne.", Claude Roy.

Jules Gabriel Verne Allote nasceu em Nantes, no nº4 da rua Olivier-de-Clisson em Ile Feydeau, a 8 de Fevereiro de 1828. Juntamente com os seus irmãos Paul, Anna, Mathilde e Marie, passou a infância neste porto do Atlântico, onde acostavam navios carregados com especiarias estonteantes e de onde zarpavam naus para terras desconhecidas. Nantes foi também o porto onde confluíam os negreiros do tráfico de escravos do século XIX.
Mas, para J. Verne, foi nesta cidade costeira que a sua imaginação se libertou das amarras: "Sonhava subir aos mastros dos navios, viajava agarrado a eles", escreveu em Souvenirs d"infance et de jeunesse (Memórias da infância e da juventude).

Aos 12 anos trocou de lugar com um adolescente para ir como grumete a bordo do Coralie, um cargueiro à vela que ia para as Bermudas e que estava atracado no porto de Poimbeuf. Foi descoberto e mandado para casa.

Filho de Sophie Allote de la Fuÿe (1800-1887), esta de uma família burguesa de Nantes, e Pierre Verne (1799-1871), um advogado proeminente, acompanhou o pai na sua mudança para Paris, em 1848, em busca de uma melhor clientela.
Aí estudou, dividindo o seu tempo entre o curso de Direito e tertúlias literárias, às quais fora apresentado pelo seu tio. Conheceu personalidades importantes da literatura francesa, como Victor Hugo e Alexandre Dumas Filho, e não tardou ele próprio a escrever sob a sua orientação acabando por se tornar secretário do Thêatre Lyrique.
Estreou a sua primeira peça de teatro "Les Pailles Rompues" em Paris, aos vinte e dois anos de idade e, um ano depois, em 1851, o seu primeiro conto de ficção científica, 
"Un Voyage En Ballon". Ainda incapaz de viver exclusivamente da escrita, Verne fez-se valer do seu diploma em Direito, encontrando o seu sustento como operador financeiro. Em 1857, casou-se com uma jovem viúva de 28 anos, Honorine Anne Hébe Fraysse de Viane (1829-1910), que já tinha duas filhas (Valentine e Suzanne) e com a qual teve o seu único filho, Michel Jean Pierre Verne. Arranjou então um emprego na Bolsa de Paris, para fazer viver o lar, mas continuou a escrever nas horas vagas.
Conheceu o fotógrafo Félix Nadar, um apaixonado pelo “balonismo” como toda a gente em Paris. Nadar era conhecido pelas suas aventuras com balões até que resolveu fazer um passeio com a mulher e mais nove passageiros num enorme balão durante 16 horas. Um acidente ao poisar fê-lo partir as duas pernas. Mas esse facto não fez diminuir em Verne o desejo de escrever sobre máquinas, invenções e viagens pelo mundo. Pelo contrário, a partir daí ele passou a estudar muito mais as revistas científicas e os livros que falavam dessas invenções.
Cinco anos depois, deu-se o ponto de viragem na sua vida e na sua obra, quando Nadar apresentou o editor e também autor de livros infanto-juvenis Pierre-Jules Hetzel que demonstrou interesse em publicar a sua série "Voyages Extraordinaires". A obra "Cinq Semaines En Ballon" (1863) garantiu a J. Verne a popularidade necessária ao seu estabelecimento como escritor a tempo inteiro. Essa história continha detalhes tão minuciosos de coordenadas geográficas, culturas, animais, etc., que os leitores se perguntavam se era ficção ou um relato verídico. Na verdade, J. Verne nunca tinha viajado num balão nem tampouco ido à África. Toda a informação sobre a história veio da sua imaginação e capacidade de pesquisa. Assinou um contrato no qual precisava de escrever dois livros por ano, nos próximos vinte anos e depois prorrogado por toda a produção futura. Verne cumpriu o contrato durante 40 anos.

Procedendo a uma investigação metódica e rigorosa, Verne começou a escrever romances, geralmente de ficção científica, bastante convincentes e realistas. Em 
"Le Voyage Au Centre De La Terre" (1864, Viagem ao Centro da Terra), descrevia uma expedição científica ao núcleo terrestre, antecipando um sonho de muitos investigadores. O mesmo aconteceu com "De La Terre À La Lune" (1865, Da Terra à Lua), romance que encontraria uma continuação em "Autour De La Lune" (1870, À Volta da Lua) e em que Verne prefigurava em mais de cem anos a primeira expedição lunar. Nesse ano, 1865, tornou-se membro da Sociedade de Paris ficando amigo de cientistas famosos. Teve a consciência de que contribuía com as suas obras para a divulgação dos conhecimentos da época.
O carácter visionário da obra de J. Verne pode também ser notado em obras como "L'Île Mystérieuse" (1874, A Ilha Misteriosa) e "Vingt Mille Lieus Sous Les Mers" (1869-70, Vinte Mil Léguas Submarinas), romance em que o carismático Capitão Nemo profetizava a pirataria submarina alemã da Segunda Guerra Mundial.
Em 1867, abandonou definitivamente Paris e instalou-se em Crotoy. Sem parar de escrever, iniciou as suas viagens com uma ida aos Estados Unidos com seu irmão Paul, no famoso Great Eastern, a última palavra da tecnologia vitoriana. Esta viagem formaram as suas principais fontes de inspiração para a obra "A Cidade Flutuante".
Este gosto pelo mar, leva-o adquirir uma pequena embarcação de pesca que, em homenagem a seu filho Michel, baptiza de Saint-Michel. Em 1876, substitui-a pelo Saint-Michel II, de 13 metros e 19 toneladas. Todavia, no ano seguinte, visitando o estaleiro Jollet Babin, encanta-se com um belo barco de casco de ferro, vela e vapor, 30 metros de comprimento. O barco pertencia ao marquês de Préaulx, que por ele tinha pago 100 mil francos e estava à venda por metade do custo. Seria o Saint-Michel III  com dez homens de tripulação e comandado pelo capitão Ollive, o “Pinson”, experiente capitão. O Saint-Michel III  parece que só tinha um óbice: demorava duas horas a atingir a pressão nas caldeiras. Verne, entre 1878 e 1885, faz nele viagens pela costa da França, vai ao Mediterrâneo, e visita o Papa Leão XIII. Nessas suas visitas, passa duas vezes por Lisboa, visitas essas descritas em baixo.
Em 1871, depois de ter sido nomeado Cavaleiro da Legião de Honra, Verne foi assediado a tal ponto que instalou-se em Amiens (primeiro no nº23 de Boulevard Guyencourt (1871-1873), depois no nº44 de Boulevard Longueville, (1873-1882), seguido do nº2 de Rue Charles-Dubois (1882-1900) para finalmente regressar à casa situada em Boulevard Longueville, agora Boulevard Jules Verne ,onde permaneceu até à sua morte) para ter sossego e poder escrever. Lá, em Amiens, opta pela escrita de títulos como "A Ilha Misteriosa" "A Esfinge dos Gelos" em que foca os temas do ambiente, da protecção das espécies e a sobrevivência de culturas nativas. Tinha o costume de escrever dois, às vezes até três livros ao mesmo tempo. Escrevia sempre na página da direita, deixava a esquerda para corrigir o texto e raramente mudava a versão original, o que prova que ele era um redactor fluente.
Desde 1871, membro da Academia de Ciência, de Letras e Artes da cidade, presidiu a instituição em 1875.
Onze anos mais tarde é a morte da sua alma. Vende o seu magnífico iate barco provavelmente por razões financeiras. Com a venda do Saint-Michel III, iniciou-se o período mais negro da sua vida. Em 9 de Março de 1886, sobrevive a uma tentativa de assassinato pela mão do seu sobrinho Gaston, filho do irmão Paul, devido a um sentimento de inveja e ciúme. Com a bala alojada entre o pé e o tornozelo, viveu coxo com a ajuda de uma bengala nos seus últimos 19 anos de vida. Caiu em depressão na mudança do século, ao perder os seres e as coisas que mais amava: o seu irmão, o seu amigo e editor Hetzel e os seus passeios de barco.
Vinte e um anos depois de ter sido nomeado Cavaleiro da Legião de Honra, foi nomeado em 1892, Oficial da Legião de Honra.
O seu neto, Jean-Jules Verne, na biografia ao seu avô dá-nos conta dos seus últimos momentos como a conclusão de um sofrido calvário de doenças: a catarata, que lhe custou a vista do olho direito; o reumatismo avançado; as pernas doentes e a crise de diabetes,...

O meu avô morreu a 24 de Março de 1905 (sexta-feira), às oito da manhã. Do sul da França, de onde nós ainda estávamos a arrumar a mudança de casa, o meu irmão mais velho e eu fomos chamados por telegrama para nos juntarmos aos nossos parentes e ao nosso outro irmão, no norte, ao lado do leito de Verne em Amiens. Quando ele nos viu a todos ali, deu-nos um olhar profundo que claramente significava: “Bom, vocês estão todos aqui. Agora, eu posso morrer”; então, ele virou-se para a parede, esperando bravamente pela morte. A sua serenidade nos impressionou enormemente, e desejamos ter uma morte tão serena quanto a dele, quando chegar a nossa hora”.

Há também um relato mais romântico onde o escritor, antes de a sua família chegar a sua casa, pediu a sua esposa, Honorine, o livro “20000 Léguas Submarinas” e que o abraçou o mais que pode. Verne sentia um carinho especial por esta obra.
Veja aqui algumas fotos do seu cortejo fúnebre.

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Na primeira parte da sua obra literária, Verne era um profundo defensor da ciência e do progresso técnico na Europa. Mas nas obras mais tardias é um autor pessimista quanto ao futuro da civilização, adivinhando-se já uma certa atmosfera de “finde-siècle”. A maior parte dos seus romances foram escritos em 1880. A partir de então, explorou o teatro, a poesia e o conto. Ao todo foram 65 romances, 20 “short-stories” e ensaios, 30 peças e trabalhos geográficos e também libretos de ópera.
Tudo aquilo que escreveu, Verne foi buscar principalmente aos livros e publicações que lia vorazmente (assinava inúmeros jornais e revistas, coleccionava enciclopédias e obras científicas), e às suas viagens (realizou o sonho de ter o seu próprio barco), anotando e desenhando tudo o que via.
"Nunca poderá existir outro J. Verne, pois nasceu num momento irrepetível da história. Cresceu nos anos em que a máquina a vapor estava a mudar o mundo material, e as descobertas científicas o mundo da mente. Foi o primeiro escritor a receber essas mudanças de braços abertos e proclamou que a investigação científica podia ser a mais maravilhosa aventura. E por isso nunca passará de moda...", Arthur C. Clarke


Curiosidades

As duas visitas a Portugal

1878
Nantes-Carnac-Corunha-Vigo-Lisboa-Cádiz-Tanger-Ceuta-Málaga-Tétouan-Oran-Argel

Júlio Verne vindo de Nantes e tendo feito escala em Vigo, chegou a Lisboa pela primeira vez, a 5 de Junho de 1878, quarta-feira, às 9h, depois de ter passado ao largo do cabo da Roca e parado em Cascais com o seu Saint-Michel III. Veio acompanhado com o seu irmão Paul, com o editor Jules Hetzel Filho e com o amigo e ex-deputado Raul Duval.
Verne, agora em terra, alugou um veículo, e conduzido pelo banqueiro Jorge O'Neill (da firma Torlades e O'Neill, cônsul geral da Dinamarca, Bélgica e Grécia em Lisboa, e representante da companhia de navegação francesa Messageries Maritimes), dirigiu-se ao consolado francês a aproveitou ainda para visitar a Igreja de São Roque. Depois de almoço, conheceu David Corazzi (o dinâmico e inteligente editor dos seus livros em Portugal através da "Empreza Horas Românticas") no seu escritório na Rua da Atalaya nº42, e foi a casa de Jorge O'Neill sendo apresentado à sua família. Após estas visitas, foram todos jantar ao famoso "Grand Hotel Central". Após o jantar, e por convite de Corazzi, assistiram à representação da zarzuela "La Gallina Ciega" nos "Recreios Whittoyne" (localizado onde mais tarde se construiu o Hotel Avenida Palace perto da actual estação do Rossio). Por volta da meia-noite, Verne voltou ao seu iate para pernoitar.
Grand Hotel Central, na Praça Duque da Terceira (Cais do Sodré), Lisboa.
Mais informação sobre o hotel aqui.

No dia seguinte, os seus companheiros de viagem foram a Sintra, ao contrário de Verne, que aproveitou para descansar no seu beliche, descanso que foi interrompido quando entrou a bordo o capitão João de Carvalho Ribeiro Viana que, no seu livro, "Na Terra e no Mar" (1883), viria a referir-se à visita que fez ao "Saint-Michel III". Falaram de livros e navios, especialmente do cruzador "Vasco da Gama" que tinha sido recentemente adquirido em Inglaterra. Verne quis documentar-se sobre este navio e Ribeiro Viana, que o conhecia, pois tinha sido Director do Arsenal da Marinha, enviou-lhe um memorando recebendo nesse mesmo dia a seguinte resposta do escritor:
"6 de Junho de 1878 - Senhor Director, Agradeço-lhe os documentos que teve a extrema bondade de me enviar. E peço ao mesmo tempo que receba a minha cordial consideração. Muito sensibilizado pelo acolhimento com que fui recebido peço que me considere, senhor director, como vosso profundo admirador. Jules Verne".
Da parte da tarde, o autor aproveitou para apreciar a velha cidade que se manteve após o terramoto de 1755. Visitou a Torre de Belém e os Jerónimos para depois ter um encontro com os jornalistas no hotel. O escritor Pinheiro Chagas deixou-nos as impressões da entrevista que teve com Júlio Verne, num artigo que, no dia 7 de Junho publicou no "Diário da Manhã", onde era redactor principal:
"Esteve em Lisboa hontem e ante-hontem este eminente escriptor, um dos romancistas mais originaes do nosso tempo, o homem que entrou com a luz da sciencia nos dominios da imaginação, e soube encontrar, n'essas minas tão exploradas, novos veios de uma poderosa riqueza dramatica, de um interesse vivissimo, de um encanto inexcedivel.[...] Foi á porta do Hotel Central que o comprimentámos. Encontramos um homem extremamente affável, de aparencia profundamente sympáthica, as barbas que foram loiras, já um pouco grisalhas, olhar vivo, claro e intelligente. Mostrou pelo nosso paíz a mais perfeita boa vontade, fallou modestamente de si e contou que trabalhava agora no seu Capitaine de quinze ans,[...]."
Há noite, jantou novamente no hotel, mas desta vez com a companhia os escritores Pinheiro Chagas, Ramalho Ortigão e o ilustrador Rafael Bordalo Pinheiro. Após o jantar, Verne visitou Fernando Palha (primo de O'Neill Jr.), num dos seus magníficos palácios no Dafundo, e apreciou a sua colecção de livros, artes e antiguidades. À meia-noite voltou a bordo do seu "Saint-Michel", onde pernoitou pela segunda vez, e partiu para Cádiz às 6h de sexta-feira, dia 7 de Junho, com ventos Este-Sudeste.
Informações confirmadas no diário de J. Verne.

Algumas destas informações foram escritas no dia 8 do mesmo mês, nos jornais "A Revolução de Setembro", "O Primeiro de Janeiro" para além do em cima citado "Diário da Manhã". Passo a transcrever as notícias neles citadas:
"Hospede illustre - Julio Verne, o celebre romancista francês, esteve algumas horas em Lisboa partindo para Cadiz já hoje. Durante a sua curtissima estada n'um hotel foi visitado por alguns dos nossos mais festejados escriptores, que por signal ficaram maravilhados da gentileza e amabilidade do autor das «viagens maravilhosas». Acompanham-o em sua recreativa viagem seu irmão Paul, os Srs. Duval e Julio Hetzel. A todos desejamos mil venturas".
"Chegou hontem a Lisboa, a bordo do seu yacht de recreio "Saint Michel", vindo de Nantes com escala por Vigo, o célebre escriptor Júlio Verne. Acompanham-o o seu irmão Paul, e o editor das suas obras. J. Verne visitou o escriptório das "Horas Românticas". Foi á noite aos Recreios. Hoje vae a Cintra e de tarde segue para Cadiz".

Já o "Diário Illustrado" refere a conversa de Verne com Fernando Palha, onde lhe promete o seu regresso a Portugal:
"O sr. Julio Verne, depois de visitar a egreja dos Jeronymos foi ante-hontem passar a noite em casa do sr. Fernando Palha, no Dafundo. Mostrando-se penhoradissimo pelo modo por que ali foi recebido, disse ao sr. Palha que, na volta da sua viagem a Cadiz, se demoraria em Lisboa para, com mais vagar, ver os arredores da cidade."
 
Como podemos verificar, alguns dos jornais apresentaram factos que mais tarde se verificaram não serem verdade, como a "curtíssima estada" em Lisboa e a viagem a Sintra.
O meu obrigado a Pedro O'Neill pela ajuda na pesquisa de informações sobre a estadia de J. Verne em Portugal.


A segunda visita
1884
Nantes-Carnac-Corunha-Vigo-Lisboa-Gibraltar-Oran-Argel-Philipeville-Bona-Tunis-Malta-Siracusa-Catânia-Nápoles

Anos mais tarde, no dia 22 de Maio de 1884, Verne volta a Portugal no mesmo iate, num cruzeiro que o lavará a Roma onde será recebido pelo papa Leão XIII. Desta vez, em resultado de uma avaria no motor, o Saint-Michel III demora-se em Vigo e chega a Lisboa às 15h depois de ter passado pelo Cabo da Roca e pelo forte São Julião da Barra, onde registou no diário as suas observações.
Já em terra, alugando novamente um veículo e pago 1000 reis, deslocou-se ao consulado, onde tratou com Sr. Salva (cônsul), de assuntos referentes à sua viagem. Voltou ao seu iate, por voltas das 18.30 horas, onde jantou. Após o jantar, aproveitou para visitar a Corveta-Couraçada “Vasco da Gama” (antes da reconversão para cruzador em 1900) e o Transportador “África” lá atracados. Voltou ao seu iate para pernoitar.

No dia seguinte, levantou-se às 5.30 devido à grande agitação no porto. Partiam, para navegar a montante, pequenos barcos com grandes e inclinados mastros e altas velas.
Aproveitou a manhã para percorrer as largas ruas de Lisboa e visitar a praça Dom Pedro IV (Rossio), como também David Corazzi no seu escritório. Agora na companhia de Corazzi, foi à “Loja do Pinto” e comprou 4 toneladas de carvão e 50 litros de óleo para o seu Saint Michel.
Em seguida, dirigiram-se aos correios onde se encontrava uma carta de Honorine, sua mulher.
Voltaram a bordo do iate às 13h para almoçar lagosta e às 14h decidiram ir visitar o amigo e banqueiro Jorge O’Neill a sua casa. Conversaram e contaram histórias durante algumas horas.

Ao final da tarde e por convite de David Corazzi, aproveitou para se encontrar de novo com Manuel Pinheiro Chagas (na altura Ministro e Secretário de Estado da Marinha) e com os escritores Salomão Saragga e Ramalho Ortigão numa homenagem ao escritor francês organizada por Corazzi. Este encontro foi no Hotel Braganza, no nº45 da Rua Vítor Cordon (antiga Rua do Ferragial de Cima), em Lisboa, célebre por ser também um ponto de encontro do grupo "Os Vencidos da Vida".

Hotel Braganza, nº45 na Rua Vítor Cordon, Lisboa.

Ramalho Ortigão fez saber a Verne que Eça de Queiroz (1845-1900), uma figura do maior prestígio nas letras portuguesas, no seu célebre romance "O Mandarim" teria feito a descrição da cidade de Pequim, e da China, baseando-se em elementos colhidos da leitura de “Atribulações de um chinês na China"Outro conviva foi o célebre pintor Columbano Bordalo Pinheiro, que lhe ofereceu, um esplêndido prato de louça das Caldas da Rainha, representando um lagarto e outros animais. Esta curta estadia inspirou Rafael Bordalo Pinheiro que, no seu famoso e mordaz jornal "António Maria" do dia 29 de Maio, apresentou a caricatura de Júlio Verne ao tamanho da página, acompanhada do seguinte texto:
"Júlio Verne o ilustre escriptor francêz, chegou a Lisboa, jantou com David Corazzi e com outros convidados d'aquelle editor, entre elles este seu creado e foi-se. Só andando com esta pressa, póde fazer viagens à Lua no tempo que qualquer gasta em ir à Porcalhota (antigo nome da Amadora) comer coelho guisado. Que tanto elle como seu irmão Paul, façam boa viagem aos antípodas em 1 hora e ¾ e que se voltarem a Lisboa se demorem mais um bocadinho para lhe mostrarmos o jardim da Europa à beira mar plantado."

Página do "António Maria" de 29 de Maio de 1884.

Após o jantar foram todos ao teatro e por volta das 23.30h Verne despediu-se e voltou ao seu iate onde pernoitou pela segunda vez. 
Às 6h da manhã de Sábado, dia 24 de Maio, o céu estava muito nublado e o Tejo lotado de embarcações. Porém, o mar estava maravilhoso tendo sido possível atingir os 9,5 nós no seu Saint-Michel III rumo a Gibraltar.
Infelizmente Verne não tornou a voltar ao nosso país por motivos de saúde.

Para além do já citado "António Maria", outros jornais, como o "Diário de Notícias" e "Diário da Manhã"  (dirigido por Pinheiro Chagas) apresentaram, no dia 24 de Maio, notícias acerca desta segunda visita de Verne ao nosso país:
"Está novamente em Lisboa este célebre romancista. Chegou ante-hontem ao Tejo no seu bello yacht a vapor, St Michel, vindo de Nantes em oito dias, tendo arribado em Vigo por ter a machina do navio soffrido uma pequena avaria."
"Passou hontem o dia em Lisboa este illustre escriptor. Chegou ante-hontem no seu yacht Saint-Michel. Às 9 horas desembarcou e foi ter com David Corazzi. Às 6 horas foram jantar cremos ao hotel Braganza, assistindo á refeição o sr. ministro da marinha (Salomão Saragga). Verne esteve fallando muito tempo com o sr. Jorge O'Neill (amigo e anfitrião de Hans Christian Andersen) e ficou tão encantado com esse cavalheiro que tenciona descrevel-o n'um dos romances que vai escrever. Julio Verne parte esta madrugada para Oran." Informação cedida por Pedro O'Neill.
No dia seguinte, 25 de Maio, o "Diário de Notícias"  e "O Século"  apresentaram as notícias a seguir citadas:
"Partiu hontem de madrugada, no seu yacht St. Michel para Oran, o romancista Julio Verne. Foi-lhe offerecido na vespera um jantar no Hotel Braganza, e um dos convivas, o sr. Rafael Bordalo Pinheiro, deu-lhe um esplêndido prato de louça das Caldas, representando um lagarto e outros animaes."
"Chegou a Lisboa na quarta-feira às 9 horas da noite, arribado, por causa do mau tempo, o notavel romancista Julio Verne. Hontem foi-lhe offerecido pelo sympathico editor David Corazzi um jantar a que assistiram muitos homens de letras. Às 9 horas devia ter partido o notavel escriptor. Saudamos o illustre escriptor."
Apesar das duas visitas, as duas únicas referências a Portugal nas dezenas de livros de Verne são lugares-comuns.
Primeiro, o escritor criou uma personagem portuguesa, "pouco simpática" segundo Margot: um marinheiro, como seria de esperar. E deixou que uma outra personagem falasse d"Os Lusíadas como uma obra da literatura espanhola, jogando com o lugar-comum da rivalidade cultural luso-castelhana. 
Estes episódios foram contados pelo verniano suíço Jean-Michel Margot, presidente da "North American Jules Verne Society", numa conferência no Instituto Franco-Português, em Lisboa.
Em época de datas redondas, Margot aproveitou para contar um episódio original do comemorativismo português, ocorrido em 1923. Nesse ano, antecipando-se cinco anos à data correcta, a Sociedade de Geografia comemorou em Lisboa os 100 anos do nascimento de Júlio Verne. Entre os oradores, contou, terá estado o aviador português Gago Coutinho.
 
Hoje, o orador Margot assume uma mensagem contracorrente: "Dizer que (Verne) previu, que foi um visionário... deixem-no ser um escritor: foi um dos melhores do século XIX."

Não conseguiu prever tudo
Era no brilhante século XIX, embalado pelo optimismo da revolução industrial, que J. Verne bebia inspiração para os visionários romances onde antecipou muitos dos grandes passos tecnológicos dados no século XX.
Contudo, o homem 
considerado um autor pioneiro de ficção científica e influenciado pelos relatos de aventuras de Jonathan Swift (autor de “As Viagens de Gulliver”) ou pelos contos macabros de Edgar Allan Poe, desafiou todos os limites da imaginação ao prever invenções como as do submarino, do helicóptero, do ar condicionado, mísseis teleguiados, o fax, a televisão, a teleconferência, as armas de destruição maciça e o helicóptero, entre outros, mas não previu o computador, que marcou a segunda metade do século XX e que veio alterar drasticamente o rumo da história da ciência. Assim como também não previu a Internet.
Entusiasmado com o rumo científico do seu século, que viu nascer a fotografia, o cinema e o automóvel, e viu a electricidade e os combustíveis fósseis substituírem o vapor, J. Verne bebia a inspiração nas recentes criações científicas, esboçadas ou até já realizadas, para encher de inovação as suas obras.
Mas também é certo que, por vezes, a imaginação, sempre fundamentada na ciência da época, extravasou a realidade. Os veículos fantásticos de Robur, em 
"Robur, o Conquistador", capazes de voar, rolar em terra e no mar, não passaram para além das tramas fantásticas da escrita de Ian Fleming, com James Bond.
Os túneis transatlânticos para viajar, elogiados como o meio mais rápido para alcançar os Estados Unidos a partir da Europa, no conto 
"Um Dia de Um Jornalista Americano em 2890", também são ainda hoje do domínio do imaginário - apesar de o túnel da mancha, idealizado ainda no século XIX, ser já hoje um pouco desse sonho tornado realidade.
Artigo de Ana Machado publicado em 24 de Março de 2005 e reproduzido pelo publico.pt.

Convicção no progresso da humanidade?
Verne tinha uma profunda convicção no progresso da Humanidade. Ele foi um dos expoentes da corrente de pensamento chamada "Positivismo", filosofia progressista, humanista e desenvolvimentista que aflorou em meados do século XIX (um de seus lemas foi adoptado pelos republicanos brasileiros ao elaborarem a bandeira da nação: Ordem & Progresso).
Mas isso não o impedia de ser crítico - e um crítico contundente - dos males que naturalmente advinham deste mesmo progresso. Ele tinha uma (ante)visão clara de que parte dessa mesma Humanidade, tão sábia e científica, não saberia lidar com as consequências dessa "evolução". Por isso, demonstrou preocupações não só ecológicas (em diversos livros, como em 
"A Jangada" e outros) como com a má utilização dos avanços da Ciência ("Doutor Ox""Em Frente da Bandeira""Os 500 Milhões da Begum", e tantos outros).
Assim, Verne podia ser filosoficamente positivista, como demonstrado principalmente no carácter de seus heróis (que não desistem nunca, e buscam alcançar o impossível) mas sem ser ingénuo, sem fechar os olhos para os males que o progresso pode trazer ao Homem e ao mundo à sua volta.
E é só olharmos atentamente à nossa volta para constatarmos que, mais uma vez, o velho mestre estava certo.

Ainda surpreende
Em França, vendem-se todos os anos 100 mil exemplares das suas obras só na colecção Livre de Poche; e desde 1967, as livrarias francesas venderam nove milhões de livros de J. Verne.
Os números atestam, em todo o caso, que o escritor continua a encantar graças aos romances que encantaram a imaginação de tantas gerações com um perfume de aventura, descobertas científicas e mundos fantásticos.

Vinho com folhas de cocaína
O escritor que fez tantas antecipações audaciosas teve uma vida tranquila. Escrevia todos os dias das 5h às 11h, beberricando frequentemente o célebre vinho Mariani - um Bordéus tinto em que tinham macerado folhas de cocaína. Perfeitamente legal, este néctar inspiratório contava entre os seus fiéis amadores a rainha Vitória, Erik Ibsen, R.L. Stevenson e Edison. Não obstante, era na leitura das revistas científicas, à qual consagrava todas as suas tardes, que J. Verne ia procurar a sua fonte de inspiração, como ele próprio o disse e escreveu.
Informação reproduzida do artigo de Ana Navarro Pedro "O Visionário que ainda surpreende", publicado em 24 de Março de 2005 em publico.pt.
 
Foi por pouco
Quando, muitos anos mais tarde após Verne ter escrito "Da Terra à Lua", o Homem fez como sabem a sua 1ª viagem à Lua. Como dizia na obra de Verne, Neil Armstrong e seus companheiros também aterraram no Oceano Pacífico mas o mais incrível é que foi apenas a 4 milhas do que Verne imaginou na história, um século antes do sucedido.

O mais lido
J. Verne já foi considerado o autor mas lido em todo o Mundo visto que as suas obras já foram traduzidas nos cinco continentes e em todos os idiomas cultos.
 Ainda hoje é um escritor cuja obra é muito lida, discutida e comentada.

Quantidades impressas
Como curiosidade aqui vai uma lista da quantidade de exemplares impressos em França aquando do seu lançamento. Apenas aqui estão as viagens extraordinárias mais conhecidas do autor.
 
Cinco Semanas em Balão
76 000
Viagem ao Centro da Terra
48 000
Da Terra à Lua
37 000
Aventuras do capitão Hatteras
48 000
Os filhos do Capitão Grant
38 000
Vinte mil Léguas Submarinas
50 000
À Volta da Lua
31 000
Uma Cidade Flutuante
28 000
A Volta ao Mundo em 80 dias
108 000
A Ilha Misteriosa
44 000
Miguel Strogoff
49 000
Um Capitão de 15 anos
31 000
As atribulações de um chinês na China
28 000
Os quinhentos milhões da Begum
17 000
A Jangada
17 000
O Raio verde
14 000
Robur o conquistador
12 000
Um Bilhete de Lotaria
10 000
Norte contra Sul
9 000
Dois anos de Férias
8 000
O Castelo dos Cárpatos
9 000
Em Frente da bandeira
12 000
O Senhor do Mundo
Sem registo
A Invasão do MarSem registo

Diabetes e dislexia
Muita gente não sabe mas J. Verne além de ter sido diabético, também era disléxico.

Frases de J. Verne


"Quando não trabalho, deixo de sentir-me viver."
"O que uma pessoa pode imaginar, outras podem tornar real."
"Quando se trata de destruir, todas as ambições se aliam facilmente."
"A ciência é composta de erros, que, por sua vez, são o caminho até a verdade."
"Podemos enfrentar as leis humanas, mas não podemos resistir às leis naturais."
"A minha vida está cheia, sem lugar para o tédio. É praticamente tudo o que peço."
"A única maneira de enfrentar os obstáculos maiores é ultrapassando os obstáculos menores."
"Deus ter-nos-ia posto água nas veias, em vez de sangue, se nos quisesse sempre imperturbáveis."
"Como poderá apreciar a felicidade aquele que nem um só instante foi tocado pelo sopro da desgraça?"
"Trabalho muito lentamente e com o maior do cuidado, escrevendo e reescrevendo até que a frase tome a forma que desejo."
"O meu objectivo foi o de descrever a Terra, e não somente a Terra mas o universo, para onde eu já transportei algumas vezes os meus leitores nos meus romances distantes da Terra"

Frases sobre J. Verne

"De uma maneira ou de outra, somos todos filhos de Júlio Verne.", Ray Bradbury
"Se Júlio Verne ainda é legível, isso deve-se à força mítica das suas histórias.", Michel Serres
"Ah, se Júlio Verne tivesse conhecido Einstein...", Manuel Audije, oficial da Armada espanhola
"O mundo possui seis continentes: Europa, África, Ásia, América, Austrália e Júlio Verne.", Claude Roy
"As obras de Júlio Verne, escritas para a juventude, têm a rara boa sorte de agradar a todas as idades.", Pierre Larousse

"Dizer que Verne previu, que foi um visionário... deixem-no ser um escritor: foi um dos melhores do século XIX.", Jean-Michel Margot