quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Artigo - Como Jules Verne conquistou Portugal

A. J. Ferreira é o nome literário de António Joaquim Ferreira, um dos raros estudiosos e investigadores portugueses na área da banda-desenhada e literatura juvenil.

Dedicado a autores, ilustradores, editores, A. J. Ferreira investigou todo o tipo de revistas, jornais, livros publicados em Portugal.

Num trabalho meticuloso, que lhe tem ocupado anos, na tarefa de folhear todo o tipo de publicações, quer próprias, quer do acervo da Biblioteca Nacional, A. J. Ferreira indica em pormenor autores e publicações. Foi o caso do artigo “Como Jules Verne conquistou Portugal” no seu Jornal Infantil Português Ilustrado, apresentado de Julho a Novembro de 1994, onde relaciona a obra do escritor francês com as suas primeiras editoras portuguesas, “Horas Românticas” de David Corazzi, Livraria Bertrand e outras.

Com a cedência autorizada pelo próprio, iremos transcrever (com algumas modificações afim de o tornar mais actualizado), e em exclusivo para o Blog JVernePt, o seu artigo que irá sendo disponibilizado (dividido em três partes) durante o mês de Agosto.Será, com certeza, um artigo bastante interessante principalmente para aqueles que possuem edições antigas das obras vernianas e que gostariam de conhecer um pouco mais sobre elas.


Jules Verne encontrou o caminho da glória em 1862, com o romance Cinco semanas em balão, aventuras através de uma África desconhecida. Doze anos depois (enquanto publicava no seu país A ilha misteriosa) foi apresentado aos portugueses – há centro e trinta e quatro anos.

A Empreza Horas Românticas, de David Corazzi, foi o eco em Portugal da prestigiada casa Hetzel[1] e das suas grandiosas edições vernianas: as Voyages Extraordinaires da Bibliotèque d’Éducation et Recréation. Os volumes portugueses, de dimensões sensatas, impressos em belo tipo e bom papel, mantiveram o tamanho e a qualidade das ilustrações originais, e eram, na opção de luxo, “encadernados em percalina e dourados na capa e por folhas”. Ainda se encontram destes, um ou outro, em dias felizes, no mercado alfarrabístico.



O meu estudo levou-me a concluir que a proliferação das edições, a frequente emissão do número de ordem e das datas, deixam livreiros e leitores na ignorância do que vendem e do que compram, e levam a dar a foros de primeira edição ao que realmente não o merece.

Historiemos então a evolução das características visíveis.
Da Terra à Lua foi a “viagem” escolhida para estreia, em 1874, e a publicação, como seria de esperar, foi levada a cabo em fascículos, ou cadernetas, semanais de 32 páginas, tendo cada uma dela 32 linhas.
O jornal Diário Ilustrado noticiou em 12 de Março desse ano, a saída da primeira caderneta, com 6 gravuras, e traduzida por um “cavalheiro que junta a um bom e sólido talento uma grande ilustração”. A obra foi tipografada na Imprensa Nacional (Lisboa).

O editor vendia a obra completa, brochada, por 900 réis (os preços iriam variar entre 900 e 1100 rs). As opções de luxo, encadernadas, eram acrescidas de 300 réis.

A segunda viagem, À volta da Lua, foi já impressa em tipografia própria, a Typographia das Horas Românticas na Travessa da Parreirinha[2] nº 5, sem data conhecida. O endereço da Empreza Horas Românticas, Rua dos Calafates[3], foi, por vezes omitido; e durante a publicação do oitavo capítulo, Viagem ao centro da Terra, em 1875, a editora mudou-se para o nº 42 da Rua da Atalaya. Mais tarde, a tipografia também para lá se mudou, nºs 40-52.

Os brasões dos Editores gravados nas contra-capas indicam a época de feitura das capas, mas podem ser encontrados a encadernar textos impressos muitos anos antes, pelo precedente editor, e conservados em depósito, sem encadernação, até que o mercado solicitasse mais exemplares.

Em paralelo com a Viagem ao centro da Terra, foi editada em 1875, quase despercebidamente, uma outra novela de Jules Verne, A Galera Chancellor fora da Bibliotèque d’Éducation et Recréation e directamente em volume brochado, algo já visto na França e no Brasil.
Perante a ausência total de ilustrações[4] (tão importantes na obra de Verne) e o preço de 600 réis[5], o desinteresse do público foi de molde a castigar David Corazzi pelo seu desajeitado passo (o formato menor e a menor letra dessa triste edição, não foram, por certo, os culpados, como se provaria onze anos depois, com uma melhor concebida “Grande Edição Popular”, de que falaremos à frente (1886).

De 1879 (depois de A Galera Chancellor) a 1882 (antes de O raio verde), Corazzi editou um trabalho histórico de Jules Verne, intitulado Histoire des Grands Voyages et des Grands Voyageurs.
Divididos em três partes, como em francês, os seus seis volumes tiveram o título geral de As Grandes Viagens em vez de Viagens Maravilhosas, mas não deixaram de ser posteriormente incluídos na sequência de numeração das Viagens Maravilhosas e encadernados nas suas capas. Afinal, as “grandes viagens” não eram menos maravilhosas que as outras: na primeira edição, o frontispício ilustrado (que nem sempre existia nas edições das horas românticas) incluía o conhecido cartão de visita da página de rosto, onde fora substituído pela simples indicação da tipografia.
Em 1880 apareceram algumas alterações gráficas numa rotina que se aproximava de quarenta volumes: o pequeno monograma de David Corazzi, na página de rosto, foi substituído por outro (por baixo), e o seu nome, por extenso, intercalado no cartão-de-visita do pé da mesma página.

Em 1884 foi suprimido no cartão de visita[6] do editor, o termo “Biblioteca Ilustrada de Instrução e Recreio”, e substituído pela informação das medalhas conquistadas nas Exposições e pelo endereço da filial no Brasil.
Dois anos depois (mas já dada como um facto em anúncios de 1885), enfim, a conquista das multidões (depois da falsa partida em 1875): Jules Verne a 200 réis, e com ilustrações.

A Grande Edição Popular não interferiu visivelmente com a continuidade da edição de luxo. Era publicada directamente em livro, e, tendo a edição de luxo perdido há muito tempo o ritmo das “entregas” semanais, chegou-se à simultaneidade dos títulos em 1890.

O formato, “in 8º francez”, significava que: os livros eram um pouco menores que a edição de luxo, dentro a mancha de texto era também menor embora o número de linhas tivesse subido de 32 para 35 (em menor tipo e menos espaçadas), as ilustrações eram reduzidas a duas e bastavam para inflamar a imaginação dos leitores.

A missão de David Corazzi estava cumprida, e o grande editor nada mais terá a dizer aos seus leitores de Jules Verne (embora, comercialmente, a epopeia continue).



O topo da página de rosto foi apresentado em duas fases (abaixo) sendo a primeira de curta duração e, talvez por lapso, privada do termo fundamental, Grande Edição Popular.


Estas capas, de origem francesa, cobriram Portugal (e também o Brasil) em vários tons de vermelho, verde, azul, amarelo…

Este novo formato veio a sofrer uma pequena redução (1 cm) a meio dos anos 20, com os números (1 a 82) inseridos na base lombada; e o termo “Viagens Maravilhosas” perdeu, por vezes, a sua obliquidade “belle-époque”, e acomodou-se em duas linhas horizontais, debaixo do balão. A mancha de texto não foi afectada por essa redução, apenas as margens foram sacrificadas. Em brochura, a Grande Edição Popular tinha capas sem gravuras, iguais às páginas de rosto, em papel espesso e cinzento.
A partir da 2ª edição de O Paíz das Pelles em 1887, foi inserida uma “gralha” tipográfica providencial, “Impresa…”, onde antes se via “Empreza Horas Românticas”; e em 1888 a tipografia das Horas Românticas mudou-se para a Rua da Rosa, 309.



[1] Jules Hetzel, Rue Jacob, 18, Paris.
[2] Hoje, Rua Capelo, Lisboa.
[3] Rua do Diário de Notícias, Lisboa, desde 1886.

[4]
As aventuras do capitão Hatteras tinham, na Biblioteca Ilustrada, 135 gravuras em cada volume.
[5] Onze anos depois, vai ser possível uma edição com duas gravuras por 200 réis.
[6] A supressão poderia ter ocorrido em 1883, no romance Kéraban, o cabeçudo, cuja primeira edição nos é desconhecida.

1 comentário:

Teste Sniqper disse...

Pedindo antecipadas desculpas pela “invasão” e alguma usurpação de espaço, gostaríamos de deixar o convite para uma visita a este Espaço que irá agitar as águas da Passividade Portuguesa...